OGrupo Globo divulgou neste
domingo (1) uma série de diretrizes sobre como os jornalistas de seus diversos
veículos devem usar as redes sociais. Em carta, o presidente do Conselho
Editorial do grupo, João Roberto Marinho, explica que o objetivo é que os
jornalistas evitem tudo aquilo que possa comprometer a percepção de que exercem
a profissão com isenção e correção.
A seguir, leia a carta que João Roberto
Marinho enviou aos jornalistas do Grupo Globo e as diretrizes de uso das redes
sociais:
Carta de João Roberto Marinho
Caros
companheiras e companheiros,
Ninguém
discordará de que o advento das redes sociais é um dos fenômenos que definem o
século XXI. De uma maneira inédita na história da humanidade, elas conectaram
pessoas em nível planetário, permitindo a formação de comunidades, o
compartilhamento de ideias, fatos e opiniões, a aproximação de pessoas que
frequentemente nem se conhecem. É algo extremamente positivo e bem-vindo.
Como tudo,
porém, logo descobrimos que elas têm também um lado sombrio: podem ser usadas
para manipular grupos, disseminar boatos e mentiras com fins antidemocráticos e
permitir que a intimidade das pessoas seja clandestinamente conhecida. Com a
consciência desses defeitos, porém, seus usuários se tornam cada vez mais
capazes de produzir anticorpos para esses males. Na balança entre o bem e o
mal, nós acreditamos que o lado bom das redes sociais supera o lado mau, embora
seja necessário ainda muito estudo e atenção para combater os malefícios.
Somos, enfim, entusiastas do potencial positivo das redes sociais.
Nós,
jornalistas, como todos os cidadãos, podemos fazer parte delas seja do ponto de
vista pessoal ou profissional. Podemos compartilhar impressões, sentimentos,
fatos do nosso dia a dia, assim como utilizá-las para fazer fontes, garimpar
notícias, descobrir tendências. Não é novidade para nenhum de nós, no entanto,
que o jornalismo traz bônus e ônus.
O bônus é o
prazer de exercer uma atividade fascinante cujo objetivo último é informar o
público, para que possa escolher melhor como quer viver, como fazer livremente
escolhas, uma atividade que nós, sem modéstia, consideramos absolutamente
nobre. O ônus é justamente aquele que nos impomos para poder fazer um bom
jornalismo: em resumo, tentar ao máximo nos despir de tudo aquilo que possa pôr
em dúvida a nossa isenção.
Sei que não é preciso,
mas dou aqui um ou dois exemplos. Todos os jornalistas que cobrem economia (e
aqueles que compõem a chefia da redação), por exemplo, se privam da liberdade
de aplicar em papéis de empresas específicas para que jamais levantem a
suspeita no público de que determinada notícia sobre esta ou aquela empresa tem
por trás um interesse pessoal. Um jornalista de cultura que seja parente de
algum artista se considerará impedido de cobrir as atividades dele. Nós
conhecemos bem as nossas restrições, aliás descritas em nossos princípios
editoriais que o Grupo Globo publicou em 6 de agosto de 2011. E nada disso nos
perturba ou incomoda porque temos a consciência de que o propósito é permitir
que façamos um bom jornalismo e que sejamos reconhecidos por isso.
As redes
sociais nos impõem também algumas restrições. Diferentemente das outras
pessoas, sabemos que não podemos atuar nelas desconsiderando o fato de que
somos jornalistas e de que precisamos agir de tal modo que nossa isenção não
seja questionada. Já no lançamento dos princípios editoriais, previmos isso
quando estabelecemos o seguinte: “A participação de jornalistas do Grupo Globo
em plataformas da internet como blogs pessoais, redes sociais e sites
colaborativos deve levar em conta três pressupostos: (...) 3- os jornalistas
são em grande medida responsáveis pela imagem dos veículos para os quais
trabalham e devem levar isso em conta em suas atividades públicas, evitando
tudo aquilo que possa comprometer a percepção de que exercem a profissão com
isenção e correção.”
Desde então,
porém, o uso de redes sociais se universalizou de tal forma que é necessário
detalhar melhor como nós jornalistas devemos utilizá-las de modo a não ferir,
de maneira alguma, aquele que é um pilar da nossa profissão: a isenção. É por
essa razão que estamos acrescentando uma seção aos nossos Princípios Editoriais
sobre o uso das redes sociais.
Essas
recomendações sobre como devemos nos comportar nas redes não têm nada de
idiossincrático ou exclusivo. Na verdade, estão rigorosamente em linha com o
que praticam os mais prestigiados veículos jornalísticos do mundo, como The New
York Times e BBC, para citar apenas dois de dezenas de exemplos.
É fundamental
que todos leiamos com atenção essas diretrizes e as sigamos com o rigor que nos
caracteriza em nossas atividades profissionais.
Dito isso, a
Seção II de nossos Princípios Editoriais terá um novo item, de número 5,
apresentado ao fim desta carta.
Tenho absoluta
convicção de que todos nós entenderemos as razões dessas diretrizes mais
detalhadas e as seguiremos. Agradeço pela atenção e disponibilizo a seguir o
texto que será acrescentado, a partir de hoje, aos nossos Princípios
Editoriais.
Rio de Janeiro,
dia 1 de julho de 2018
João Roberto
Marinho
Presidente do
Conselho Editorial do Grupo Globo
As novas diretrizes
Seção II: Como o jornalista deve proceder
diante das fontes, do público, dos colegas, do veículo para o qual trabalha e
das redes sociais
(...)
5) Diante das redes sociais:
a) O Grupo Globo considera que toda rede
social é potencialmente pública. Mesmo que alguém permita o acesso ao que nela
diz ou publica a apenas um grupo de pessoas, há uma alta possibilidade de que
tal conteúdo se torne público. E, quando essa pessoa é um jornalista, a sua
atividade pública acaba relacionada ao veículo para o qual trabalha. Se tal
atividade manchar a sua reputação de isenção manchará também a reputação do
veículo. Isso não é admissível, uma vez que a isenção é o principal pilar do
jornalismo. Perder a reputação de que é isento inabilita o jornalista que se
dedica a reportagens a desempenhar o seu trabalho. Isso se aplica a todas as
redes – Twitter, Instagram, Facebook, WhatsApp ou qualquer outra que exista ou
venha a existir;
b) Em alguns casos, a perda da reputação de
isenção é evidente de imediato. Em outros, é preciso uma análise criteriosa.
Essa avaliação deve ser feita pelas chefias imediatas e compartilhada com a
direção de redação, que decidirá quando é o caso de encaminhar a questão ao
Conselho Editorial do Grupo Globo;
c) É evidente que, em aplicativos de
mensagens, como WhatsApp e outros, em que há mais controle sobre o acesso,
todos têm o inalienável direito de discutir o que bem entender com grupos de
parentes e amigos de confiança. Mas é preciso que o jornalista tenha em mente
que, mesmo em tais grupos, o vazamento de mensagens pode ser danoso à sua
imagem de isenção e à do veículo para o qual trabalha. E que tal vazamento o
submeterá a todas as consequências que a perda da reputação de que é isento
acarreta. Assim, compartilhar mensagens que revelem posicionamentos políticos,
partidários ou ideológicos, mesmo em tais grupos, exige a confiança absoluta em
seus participantes – confiança que só pode ser avaliada pelo jornalista;
d) Em sua atuação nas redes sociais, o
jornalista deve evitar tudo o que comprometa a percepção de que o Grupo Globo é
isento. Por esse motivo, nas redes sociais, esses jornalistas devem se abster
de expressar opiniões políticas, promover e apoiar partidos e candidaturas,
defender ideologias e tomar partido em questões controversas e polêmicas que
estão sendo cobertas jornalisticamente pelo Grupo Globo. Em síntese, esses
jornalistas não devem nunca se pôr como parte do debate político e ideológico,
muito menos com o intuito de contribuir para a vitória ou a derrota de uma tese,
uma medida que divida opiniões, um objetivo em disputa. Isso inclui endossar
ou, na linguagem das redes sociais, “curtir” publicações ou eventos de
terceiros que participem da luta político-partidária ou de ideias. Quando
acompanhar a atividade nas redes sociais de candidatos, partidos, entidades ou
movimentos em torno da defesa de ideias ou projetos for fundamental para a
cobertura jornalística, é permitido que o jornalista siga as suas páginas ou
contas (mas não se deve curtir os seus posts). Quando for assim, o jornalista
deve seguir todos os candidatos a um cargo majoritário e, nos outros casos,
partidos e movimentos que defendam ideias opostas ou essencialmente diferentes,
para que fique claro ao público que a iniciativa de os seguir não se deve a preferências
pessoais. Da mesma forma, esses jornalistas devem avaliar se sua imagem de
isenção estará sendo comprometida ao compartilhar material de terceiros. Agir
de modo diferente compromete de forma irremediável a isenção do jornalista e
mancha a reputação do veículo para o qual trabalha, com a consequência já
mencionada;
e) Como em todos os veículos de imprensa, há
no Grupo Globo jornalistas cuja função é analisar fatos e controvérsias e
opinar sobre eles. Por óbvio, tais jornalistas não ferem o princípio da
isenção. Primeiramente, porque agem com transparência, deixando explícito que
não fazem uma reportagem objetiva sobre os fatos, mas a partir deles os
analisam e opinam sobre eles (ver Seção I, item 1, letra t). É uma atividade
jornalística diversa da reportagem, mas que atende também a uma demanda do
público: ter acesso a opiniões e análises sobre fatos e controvérsias para que
possa formar a sua própria opinião. Tais jornalistas, normalmente chamados de
comentaristas, analistas ou colunistas de opinião, devem ter uma atuação na
rede social que não permita a percepção de que são militantes de causas e que
fazem parte da luta político-partidária ou de ideias. A eles, como a todos, é
vedado apoiar candidatos ou partidos, dentro e fora de eleições;
f) Colaboradores, em seções de análise e
opinião, que não sejam jornalistas, mas profissionais de outras áreas de
atuação, devem julgar como atuar nas redes sociais, conscientes de que a sua
reputação, fundamental para sua condição de colaborador, é afetada por essa
atuação. Não é permitido declarar voto ou fazer propaganda para candidatos ou
partidos no material produzido especificamente para os veículos para os quais
trabalham;
g) Por razões correlatas, é imprescindível
que o jornalista do Grupo Globo evite a percepção de que faz publicidade, mesmo
que indiretamente, ao citar ou se associar a nome de hotéis, marcas, empresas,
restaurantes, produtos, companhias aéreas etc. Isso também não deve acontecer
em contas de terceiros, e o jornalista deve zelar para evitar tais ocorrências.
Participantes de programas esportivos televisivos, radiofônicos ou transmitidos
pela internet seguirão neste quesito a política comercial de seus veículos. O
jornalista deve evitar criticar hotéis, marcas, empresas, restaurantes, produtos,
companhias aéreas etc., mesmo que tenha tido uma má experiência. O motivo é
simples: a posição que ocupa nos veículos do Grupo Globo pode levar a que tenha
um tratamento preferencial no reparo de danos sofridos;
h) Essas diretrizes em nada diminuem a
importância que o Grupo Globo vê nas redes sociais. O Grupo Globo estimula o
seu jornalista e os seus veículos a utilizarem as redes sociais como valioso
instrumento para se aproximar de seu público, ampliá-lo, reforçar a imagem de
credibilidade de que já desfrutam, divulgar os seus conteúdos, encontrar
notícias, fazer fontes. Nessa atividade, devem, porém, observar as regras até
aqui descritas. E outras deste código;
i) Os jornalistas do Grupo Globo devem
sempre priorizar os seus veículos na divulgação de notícias, ou seja: noticiar
os fatos sempre em primeira mão nos veículos para os quais trabalham. Somente
então, poderão disponibilizar as notícias nas redes sociais, mas seguindo
regras: as notícias devem ser brevemente resumidas e acompanhadas de um link
que permita ao leitor ler a sua íntegra no veículo que a publicou. Quando a
notícia não dispuser de um link específico, é obrigatória a publicação de um
link do veículo para o qual trabalha, com a especificação da editoria, para que
o leitor possa buscar mais detalhes. Devem agir de forma igual os
comentaristas, analistas e colunistas de opinião em relação ao que produzirem
para os veículos para os quais trabalham;
j) A publicação de reportagens certamente
vai gerar comentários dos leitores. O jornalista do Grupo Globo deve tratar
todos com respeito. Pode esclarecer dúvidas e comentar críticas. Se estas forem
ofensivas, talvez seja melhor simplesmente não responder. Se se sentir vítima
de abuso, é legítimo que o jornalista do Grupo Globo bloqueie os ofensores. Mas
é preciso critério: não confundir críticas contundentes, mas legítimas, com
ofensas e abusos;
k) O jornalista do Grupo Globo, sem exceção,
não pode, por óbvio, criticar colegas de suas redações ou de redações de
competidores nas redes sociais. O crítico acaba sempre por se diminuir diante
do público. Da mesma forma, chefias não devem usar as redes sociais para
elogiar os próprios veículos ou criticar concorrentes. Elogios e críticas podem
ser interpretados como arrogância, algo que deve sempre ser evitado. Nesses
dois casos, com propósitos construtivos, devem ser sempre priorizados os canais
internos;
l) Essas regras são válidas para todos os
jornalistas do Grupo Globo e devem ser rigorosamente observadas. As chefias
diretas ficam com a incumbência de implementá-las, torná-las uma realidade e,
em caso de faltas por parte de jornalistas, dividir os episódios com a direção
de redação do veículo, que decidirá então se é o caso de levá-los à apreciação
do Conselho Editorial do Grupo Globo;
m) O Grupo Globo tem a compreensão de que,
muitas vezes, o jornalista pode se sentir em dúvida sobre se um texto seu nas
redes sociais resvala na tomada de posição, ferindo o princípio da isenção. A
única solução é consultar a chefia.